segunda-feira, 14 de abril de 2008

Sentença do desembargador José Vidal Coelho

SUSPENSÃO DE LIMINAR N.º 486.711-4

1.A Companhia de Saneamento do Paraná - SANEPAR, com fundamento no artigo 4.º da Lei n.º 8.437/92, requereu a suspensão da execução da liminar concedida nos autos de Ação de Imissão na Posse n.º 33.599, em trâmite na 3.ª Vara da Fazenda Pública, Falências e Concordatas do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba.

Disse que firmou contratos de concessão para os serviços de água e esgoto com os Municípios de União da Vitória e de Porto União, isso no ano de 1975 e duração de trinta anos, sendo que a partir de 2005 algumas prorrogações foram feitas, entretanto, em fevereiro de 2007, os Municípios referidos editaram dois decretos, nos quais houve a previsão de retomada dos sistemas de água e esgoto ao final do prazo de 60 dias, o que gerou o ajuizamento de ação anulatória (n.º 31.475) perante a 3.ª Vara da Fazenda Pública, Falências e Concordatas do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, ante a preocupação com o seu patrimônio, o investimento realizado com a melhora dos sistemas, mais a ameaça de retomada dos serviços sem cumprimento dos contratos firmados e da lei.

Relatou que obteve a liminar lá postulada (autos n.º 31.475), sob o argumento de que a retomada deve ser precedida de indenização prévia. Houve a interposição de agravo de instrumento pelos Municípios (n.º 432.257-4), conseguindo efeito suspensivo, todavia, ante a interposição de embargos declaratórios pela SANEPAR, houve a suspensão da decisão de 2.º Grau.

Retratou, também, que os Municípios de União da Vitória e de Porto União ajuizaram Ação de Imissão na Posse (n.º 33.599), em que pretendem o que está sendo combatido pela SANEPAR na Ação Anulatória n.º 31.475. Houve então a liminar aqui atacada, afastando abruptamente a SANEPAR de seus bens e direitos, prejudicando a realização de prova em eventual indenização promovida pela SANEPAR. Daí a interposição de cautelar de produção antecipada de provas, aqui junto à 4.ª Vara da Fazenda Pública, Falências e Concordatas do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, visto que o Juízo da 3.ª Vara Fazendária não acolheu o pedido de distribuição por dependência. Conseguiu a liminar almejada na cautelar.

Discorreu sobre vícios da decisão atacada nesta Suspensão de Liminar, entendendo que não é caso de imissão na posse. Versou que a Lei n.º 11.445/07 (nova lei de saneamento) não permite a reversão automática dos serviços na hipótese, sendo necessário processo administrativo próprio, conforme dispõe o artigo 58 que alterou o artigo 42 da Lei n.º 8.987/95 (Lei de Concessões).

Comentou a respeito da ofensa ao devido processo legal, bem como que as concessões em tela seriam válidas até o ano de 2010. Ventilou acerca da ausência da fumaça do bom direito na pretensão de confiscar os bens e direitos da SANEPAR, sendo certo que, como tem direito à indenização prévia, existiu ofensa ao ato jurídico perfeito.

Finalizou, discorrendo sobre o risco para a população se a SANEPAR for afastada da prestação dos serviços de água e esgoto, sendo que os Municípios de União da Vitória e de Porto União não têm condições de prestar os serviços referidos, ocorrendo o periculum in mora invertido. Daí o grave risco de lesão à saúde pública, possibilitando o desabastecimento, além do perigo de intoxicação. No contexto, se não for suspensa a liminar guerreada, entendeu a respeito de risco à economia pública, colocando em risco o patrimônio do Estado, sem contar a lesão à ordem pública, com o desrespeito dos contratos e da lei. Requereu, por todos esses aspectos, a suspensão da execução da liminar até final decisão de mérito da Ação de Imissão na Posse (n.º33.599) e das ações conexas a ela.

2. O pressuposto para a suspensão da execução de liminar, na linha do regulado pelo artigo 4.º da Lei n.º 8.437/92, que é de natureza preponderantemente política, consiste no exame da existência de grave lesão ao interesse público. A esse respeito temos as lições de Marcelo Abelha Rodrigues na obra Suspensão de Segurança - Sustação da Eficácia de Decisão Judicial Proferida contra o Poder Público, São Paulo, Editora RT, 2.ª edição, 2006, páginas 170/171.
Nessa linha, a suspensão de segurança funda-se em juízo de conveniência e oportunidade, em contemplação à supremacia do interesse público, envolvendo a ordem, a saúde, a segurança e a economia pública, sendo considerada uma medida de contracautela, que objetiva salvaguardar interesses públicos contra o risco de lesão grave.

De qualquer maneira, não cabe examinar, em sede de suspensão de liminar, as questões de fundo envolvidas na lide, visto que a matéria meritória é passível de solução apenas no âmbito de cognição plena, quando se aprecia a legalidade da decisão que se impugna. Logo, no caso concreto, a análise do pedido deve-se ater à possibilidade de grave e efetiva lesão à ordem, à saúde e à economia públicas, pontos que foram explorados pela SANEPAR, lembrando que o exame dos fundamentos jurídicos da decisão liminar torna-se viável, quando diretamente vinculados aos bens jurídicos tutelados pela norma.

Assim, pelo que consta no feito evidenciado está o risco de lesão à saúde pública. É que, considerando o montante necessário de investimento para a prestação dos serviços de água e esgoto (comprovado pela SANEPAR - investimentos de mais de 6 milhões de reais), sendo certo que os Municípios de União da Vitória e de Porto União não comprovaram a capacidade financeira para tanto (nem de pagar cerca de 19 milhões de reais - dívida dos Municípios para com a SANEPAR), além de consubstanciado o despreparo deles para assumir o sistema (consta que não criaram a estrutura necessária para os serviços), denota-se a presença do periculum in mora inverso.

Vale dizer que, se a SANEPAR for afastada da prestação dos serviços mencionados, em que atua de modo satisfatório há mais de trinta anos nas duas localidades, bem demonstrado o risco que corre a população, no que tange ao desabastecimento e até a possibilidade de intoxicação das pessoas como conseqüência extrema.

A prova de que os municípios não se encontram preparados para retomar os sistemas de água e esgoto consta nas correspondências encaminhadas por eles à SANEPAR, solicitando que os funcionários da concessionária permaneçam prestando os serviços pelo tempo que for necessário para que seja realizada a integração física e formal de seus prepostos aos sistemas.

De qualquer modo, deve ser resguardado o interesse público (da população dos Municípios de União da Vitória e de Porto União), bem como o princípio da continuidade do serviço público (seguro ao manter com a SANEPAR). Tem-se precedente, em caso semelhante, no Superior Tribunal de Justiça, na Suspensão de Segurança n.º 1657 - GO (2006/0169767-9), tendo como Relator o Ministro Barros Monteiro, em decisão datada de 20/09/2006 (publicada no DJ de 25/09/2006).

Por outro lado, a idéia de ordem pública tem múltiplos sentidos. A noção de ordem não se restringe a assegurar a manutenção estática de uma determinada situação cuja modificação implicaria a quebra da harmonia social perseguida pela administração pública, na linha do que ficou assentado no direito administrativo, a partir do entendimento que se consolidou na doutrina em torno da ordem pública.

Portanto, a ordem pública a ser tutelada na suspensão de liminar em tela envolve decisão sobre os efeitos do exercício da jurisdição e a normalidade da convivência sociopolítica, em determinado momento histórico. A concepção de ordem pública envolvida na decisão de suspensão de liminar, no plano da aplicação do Direito, trata da conformação da decisão judicial com o interesse público.

Nesse plano, a ordem pública deve ser entendida como uma situação de normalidade, de um estado de legalidade em que há observância às normas que disciplinam e ordenam a sociedade. Se a decisão do juiz causa transtorno profundo, essa ordem deve ser suspensa. Assim, é preciso analisar se a execução da liminar acarreta grave lesão à ordem pública, com respaldo no interesse público ligado ao direito de exercício das funções da SANEPAR quanto à prestação dos serviços de água e esgoto.

Seguindo esse caminho, aufere-se que a decisão atacada mostra-se desarrazoada, na medida em que não se ateve à indenização prévia dos bens e direitos da SANEPAR, seguindo os ditames da Lei n.º 11.445/07, não se olvidando do devido processo legal, quando a legislação versa em necessidade de procedimento administrativo próprio, o que não foi feito. Daí a presença do risco de lesão à ordem pública.

A decisão guerreada também não levou em conta o que está sendo discutido em ação anulatória anteriormente ajuizada, nem em ação cautelar de produção antecipada de provas, de modo que se permanecer em vigor a liminar dada na ação de imissão na posse, certamente causará um transtorno na ordem jurídica e na administrativa, ambas com ligação na ordem pública.

Por último, evidenciou-se o risco de grave lesão à economia pública, visto que, mantida a decisão atacada como está, tornará inviável a liquidação do valor da indenização devida junto aos Municípios de União da Vitória e de Porto União. Deve ser lembrado que a SANEPAR é concessionária de serviço público (água e esgoto), detentora de bens e direitos do Estado, sendo que investiu considerável numerário no sistema, não se esquecendo do débito significativo dos municípios para com a SANEPAR.

Aliás, o Ente Estatal responde subsidiariamente pelas obrigações da SANEPAR, depois de exaurido o seu patrimônio. Concreto, portanto, o risco de colapso nas finanças públicas, abrindo o precedente patente na decisão impugnada, pois poderá ocorrer o mesmo com outros municípios do Estado (edição de decretos com o fim de retomar os serviços de água e esgoto, sem o pagamento de indenização prévia). Daí a lesão à economia pública.

Pelo exposto, DEFIRO o pedido de Suspensão de Liminar concedida nos autos de Imissão na Posse n.º 33.599, em trâmite na 3.ª Vara da Fazenda Pública, Falências e Concordatas do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba.

Esta decisão deve ser mantida até o trânsito em julgado da sentença, nos termos do artigo 4.º, §9.º, da Lei n.º 8.437/92, aplicável ao caso concreto.
Expeça-se fax ao Juiz da causa para comunicar-lhe a decisão.
Publique-se e intime-se.

Curitiba, 08 de abril de 2008.

J. VIDAL COELHO
Presidente

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